sábado, 3 de setembro de 2016

O outro

“O que você quer nem sempre condiz com o que outro sente.
Eu tô falando é de atenção que dá colo ao coração
E faz marmanjo chorar se faltar um simples sorriso,
às vezes, um olhar que se vem da pessoa errada, não conta
Amizade é importante, mas o amor escancara a tampa.
E o que te faz feliz também provoca dor
A cadência do surdo no coro que se forjou
E aliás, cá pra nós, até o mais desandado
Dá um tempo na função, quando percebe que é amado
E as pessoas se olham e não se falam
Se esbarram na rua e se maltratam...”
(Criolo – Ainda há tempo)

Cá entre nós, nos versos acima, o Criolo, genial como sempre, fala sobre algumas verdades: as pessoas mal dão atenção umas às outras. Hoje em dia com toda essa correria das nossas rotinas, muitas vezes não conseguimos dar a devida atenção às pessoas a nossa volta. E muitas vezes tudo o que uma pessoa precisa é de um pouco de atenção, ou de uma palavra, de um olhar, um abraço ou simplesmente ser escutada, sabe? Um tempo em que você abre mão de todo seu egoísmo para se voltar para o próximo. Mas nós (me incluo nisso) seguimos a vida, voltados para o nosso umbigo e correndo atrás do vento. E a atenção é importante porra!

Mas a verdade que mais faz sentido é quando o Criolo diz que: “O que você quer nem sempre condiz com o que outro sente.” Sim, o que eu quero, sinto e penso não necessariamente vai ao encontro do que os outros querem, sentem ou pensam. Nem sempre é a mesma coisa. Nem sempre é recíproco. Assim como x está para y, porém y não está para x, ou está para z.

Mário de Sá-Carneiro escreveu: “Eu não sou eu nem sou o outro, sou qualquer coisa de intermédio: Pilar da ponte de tédio, que vai de mim para o Outro.”

E é exatamente assim. Entre duas pessoas existe um abismo, uma mistura com um pouquinho de um e um pouquinho do outro. Aí surgem as relações, as amizades.
Algumas pessoas chegam e nos cativam de tal forma que mesmo tendo convivido pouco tempo conosco, nos marcam para o resto da vida. Algumas pessoas nos encantam, nos surpreendem. Algumas pessoas deixam marcas, algumas pessoas mudam o nosso jeito de ver as coisas. Pessoas vêm e vão e eu gosto de acreditar que algumas sempre ficam.

Amizade sempre foi algo importantíssimo pra mim, algo que precisa ser levado a sério, talvez mais do que os relacionamentos amorosos. Gosto muito de fazer novas amizades, conhecer gente diferente, gente interessante, conhecer a história das pessoas. Tento manter algum tipo de contato com as amizades mais importantes que eu tenho. Sempre puxo assunto, vou atrás pra que as pessoas não se afastem, procuro ligar, visitar, fazer algo pra que a gente não perca o contato, afinal, amigo é o melhor lugar.

Sou intensa, exagerada, dramática, extremista... sou louca mesmo.
8 ou 8.000, não consigo viver de meio-termos. Se gosto, gosto pra caralho. Se odeio, reduzo as coisas a zero. Se amo, amo de todo meu coração. Se sinto, sinto em excesso. Se quero, quero demais. Mas depois que tudo passa, quando já não há mais afeto, esqueço, sou indiferente, implacável, não volto atrás. E se sou amiga, pode crer que sou mesmo e vou me esforçar pra sempre ser verdadeira e estar “lá” quando precisarem. E isso não significa que eu nunca erre com meus amigos, porque não sou perfeita, pelo contrário, sou cheia de falhas. Apesar de procurar ser atenciosa com os meus amigos, às vezes falto com atenção também, até porque tenho déficit da mesma, então é difícil me manter atenta.

Como sou muito visionária, sempre sonhei ter amizades duradouras, de 30, 40 anos assim como vejo acontecendo com pessoas que chegam à vida adulta ou na velhice e contam sobre suas amizades antigas. Esses são os verdadeiros tesouros, privilégios.


Minha mãe me dizia que ninguém é insubstituível, então não precisava me importar com a ausência de ninguém, porque sempre vai ter um “novo alguém”.
Apesar de não concordar, reflito sobre isso até hoje porque algumas pessoas passaram por mim e já não fazem mais parte da minha vida, pessoas em quem eu confiei, por quem eu me doei e hoje já não fazem mais sentido. 

Jesus disse que ninguém tem amor maior do que aquele que dá a vida aos seus amigos (João 15:13). Algumas parábolas de Cristo não podem ser levadas ao pé da letra, mas eu sempre tentei levar essa a sério. Aliás gosto muito das referências bíblicas sobre amizade, porque elas dizem que na angústia nasce o irmão, que as amizades sinceras dão ânimo pra viver e que alguns amigos são mais chegados que um irmão. 

Existem relações em que você só sabe falar sobre como está o tempo, ou dar bom dia, boa tarde e boa noite quando encontra a pessoa na rua ou no elevador. Tem os colegas, às vezes de classe ou de trabalho. Tem aquelas pessoas que você conhece durante alguma viagem e troca mensagens pela internet. Tem os amigos por tabela, que viram amigos seus porque são amigos dos seus amigos, ou amigos do seu namorado(a). Tem aquelas relações que você só fala com a pessoa por educação. Porque é algum parente, ou algo do tipo. Essas são as piores!
E tem também os amigos, os melhores amigos. E às vezes, tipo raramente, alguns são nossos irmãos de alma. São aqueles que nos entendem com um olhar apenas. Que dá a impressão de que os conhecemos há séculos, que adivinham até as palavras da gente, antes mesmo que elas saiam da nossa boca. Que cuidam da gente, e que sempre tem a palavra certa que nós precisamos ouvir.

E quando se rompe com tal nível de intimidade e cumplicidade não se sabe o que fazer, não se sabe o que pensar, nem o que esperar. Porque quando terminamos um namoro, são os nossos melhores amigos que nos consolam, que nos ouvem e tentam nos distrair pra não desfalecermos. Mas e quando se rompe com um melhor amigo? Pra onde é que se vai? Com que perna se deve seguir? Onde chorar? Quem vai nos ouvir? Surge no mínimo um pessimismo em relação às amizades. Uma desesperança e arrependimento por ter alimentado tantos porcos com pérolas. E pensamentos do tipo: “Se eu fui amiga a tantos anos de alguém que hoje já não faz parte da minha vida, alguém que caminhava comigo e que hoje está agindo “assim ou assado”... como é que vai ser agora? Como vou ser amiga daqui pra frente? Eu sou amiga? O que é ser amiga?”.

Tudo isso porque nós só prestamos atenção no que não está. Nós focamos naquilo que nos falta. E tem dias que a falta é grande, e que tudo que conseguimos raciocinar, é que dói. É isso, dói. Dói desde os dedos dos pés até o último fio de cabelo. 

Resta-me o silêncio, uma vez que me senti silenciada. O silêncio que constrange e que incomoda. O silêncio que pode ser calmaria, mas também pode ser confronto. Porque existem posturas silenciosas mais danosas do que gritos, pois o silêncio tem a capacidade de dizer coisas que as nossas muitas vozes e palavras não são capazes. E muitas vezes, o não fazer nada, o não agir, pode ser nossa melhor ação.

No mais, vou praticando o desapego, a desamizade, a desconstrução e todas as muitas palavras que começam com a letra D e que servem nessa ocasião. Que Deus me ajude a perdoar, porque entende-lo eu não consigo.